Lei nº 14.195/2021 – Empresarial, Civil e Processo Civil - realizou alterações importantes em Direito Empresarial, Direito Civil e Processo Civil.


A Lei nº 14.195/2021, derivada da conversão da Medida Provisória nº 1.040/2021 alterou diversas leis, impactando em temas de Direito Empresarial, Civil e Processo Civil.



Vamos analisar as modificações introduzidas pela lei de acordo com a disciplina.




DIREITO EMPRESARIAL

1) A criação de ações ordinárias com a atribuição de voto plural


A Lei nº 14.195/21 acrescentou o art. 110-A na Lei n. 6.404/76, promovendo importante mudança nas sociedades anônimas, já que passou a permitir a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com a atribuição de voto plural, não superior a dez votos por ação ordinária.



A previsão do voto plural flexibiliza o princípio de que a cada ação ordinária deve corresponder a um único voto, o que pode promover mudanças no poder de controle das companhias, tanto de capital aberto como fechado.



Essa possibilidade de voto plural dependerá de deliberação societária com quórum de votação específico (§1º ao artigo 110-A) e será limitada ao período de sete anos, permitindo-se prorrogação por qualquer prazo (§7º ao artigo 110-A).




2) Possibilidade de se utilizar o CNPJ como nome social


A Lei nº 14.195/21 acrescentou o 35-A na Lei nº 8.934/94, prevendo a possibilidade de o empresário ou sociedade utilizar o CNPJ como nome social.



Antes dessa alteração legislativa, o art. 1.155 do CC previa a possibilidade de utilização de apenas duas espécies de nome empresarial: 1) firma e 2) denominação.



Agora com a vigência da Lei nº 14.195/21, existe a possibilidade também de se utilizar o CNPJ como nome social, conforme art. 35-A da Lei nº 8.934/94, in verbis:



Art. 35-A. O empresário ou a pessoa jurídica poderá optar por utilizar o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) como nome empresarial, seguido da partícula identificadora do tipo societário ou jurídico, quando exigida por lei.


3) Uso facultativo do objeto social designação da sociedade anônima ou em comandita por ações


A Lei nº 14.195/21 alterou o art. 1.160 do CC, passando a dispor que é facultativo constar o objeto social na designação da sociedade anônima ou da comandita por ações. Na redação anterior, era obrigatório constar o objeto social.




4) Regulamentação do ponto comercial


A Lei nº 14.195/21 acrescentou três parágrafos ao art. 1.142 do CC, para tratar do conceito de estabelecimento empresarial, deixando claro que o estabelecimento não se confunde com o local onde se exerce a atividade empresarial, que poderá ser físico ou virtual, sendo que, na hipótese de ser virtual, o endereço informado para fins de registro poderá ser, conforme o caso, o do empresário individual ou o de um dos sócios da sociedade empresária.



O novo § 3º deixa claro, ainda, que compete aos Municípios legislar sobre o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais situados no âmbito de seus territórios, conforme inclusive previsto na súmula vinculante 38 do STF, já que se trata de matéria “de interesse local”, cuja competência é municipal, nos termos do art. 30, I, da CF/88.




5) Assembleia geral por meio eletrônico


A Lei nº 14.195/21 acrescentou o art. 48-A ao CC, deixando expresso que as pessoas jurídicas de direito privado, sem prejuízo do previsto em legislação especial e em seus atos constitutivos, poderão realizar suas assembleias gerais por meios eletrônicos, inclusive para os fins de destituir administradores e alterar o estatuto (art. 59 do CC), respeitados os direitos previstos de participação e de manifestação.




6) Mitigação da teoria “ultra vires societatis”

Como regra geral, a sociedade responde pelos atos de seus administradores, ainda que estes tenham extrapolado seus poderes e atribuições. No entanto, o parágrafo único do art. 1.015 do CC previa três exceções, vejamos:



Art. 1.015 (...)



Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:



I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;



II - provando-se que era conhecida do terceiro;



III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.


O inciso III era inclusive conhecido como aplicação da “teoria ultra vires societatis”, segundo a qual, havendo operação do administrador evidentemente estranha aos negócios da sociedade, essa operação não vincularia terceiros.



A Lei nº 14.195/21 revogou expressamente o parágrafo único do art. 1.105 do CC, retirando as exceções em que a sociedade não responderia por atos de seus administradores, o que acaba prestigiando a boa-fé e a segurança jurídica.




7) Transformação da EIRELI

Conforme já estudamos anteriormente, a Lei nº 13.874/2019 passou a prever expressamente a possibilidade de se criar, livremente, a sociedade limitada unipessoal , o que acabou por esvaziar a importância da EIRELI, que, na prática, não fazia mais sentido de existir.



Diante desse cenário, a Lei nº 14.195/2021 passou a prever que as EIRELIS serão automaticamente transformadas em sociedades limitadas unipessoais, independentemente de qualquer ato de seus titulares.




8) Revogação do inciso IV do art. 1.033 do Código Civil


A Lei nº 14.195/2021 revogou o inciso IV do art. 1.033 do Código Civil, que previa que, no caso de uma sociedade ficar com apenas um sócio, esta deveria se regularizar no prazo de 180 dias, sob pena de ser dissolvida:



Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:


(...)



IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;



(...)



Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.


No entanto, como a Lei nº 13.874/2019 passou a admitir expressamente a sociedade unipessoal, essa regra que vedava a unipessoalidade deixou de fazer sentido, motivo pelo qual ela foi corretamente revogada pela Lei nº 14.195/2021, já que, se a sociedade passar a contar com apenas um único sócio, ela deve se tornar uma sociedade unipessoal, não havendo mais motivo para que seja dissolvida.




9) Natureza jurídica da remuneração do representante comercial


A Lei nº 14.195/2021 alterou a Lei nº 4.886/65 para deixar claro que a remuneração do representante comercial é considerada como crédito trabalhista para fins de falência e recuperação judicial, além de ser crédito extraconcursal se já houver título judicial antes do deferimento do processamento da recuperação judicial:




10) As cobranças realizadas por conselhos profissionais

Os Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica de autarquias federais, sendo a principal exceção a OAB que, conforme já estudamos, possui natureza jurídica de entidade “sui generis”.



O artigo 21 da Lei nº 14.195/21 traz uma relevante alteração sobre o tema da cobrança realizada pelos conselhos profissionais, passando a dispor que o inadimplemento ou o atraso no pagamento das anuidades não poderá resultar em sanções de suspensão ou impedimento ao exercício da profissão.




11) Realização de assembleia de forma eletrônica


A Lei nº 14.195/21 inseriu o artigo 48-A no Código Civil, prevendo a possibilidade de realização de assembleias por meios eletrônicos pelas pessoas jurídicas de direito privado, independentemente de modificações nos contratos sociais ou estatutos.



Art. 48-A do Código Civil: "As pessoas jurídicas de direito privado, sem prejuízo do previsto em legislação especial e em seus atos constitutivos, poderão realizar suas assembleias gerais por meios eletrônicos".



PROCESSO CIVIL

1) Citação preferencialmente por meio eletrônico


A Lei nº 14.195/21 acrescentou o parágrafo único ao art. 238 do CPC, dispondo que a citação será realizada no prazo de 45 dias, ou seja, nesse prazo de 45 dias úteis o réu deve ser efetivamente citado. Deve-se salientar que esse prazo é para o juízo, ou seja, é um prazo impróprio, de modo que o seu descumprimento não possui repercussão jurídica.



Por outro lado, tratando-se de citação eletrônica, que passou a ser o meio preferencial de citação, ela deve ser realizada no prazo de 2 dias úteis, conforme art. 246 do CPC:



Art. 246 a citação será realizada no prazo de 2 dias de forma eletrônica, por meio de e-mail das entidades que devem estar cadastradas, conforme será regulamentado pelo CNJ.

O ideal é que haja um banco de dados único para fins dessa citação (esse e-mail deve ser cadastrado no banco de dados do próprio Poder Judiciário).



Desse modo, com a vigência da Lei nº 14.195/21, apenas no caso de falta de confirmação do e-mail, no prazo de 3 dias, é que haverá citação por correio.



O réu, portanto, passa a ter o dever de, em até 3 dias úteis, confirmar que recebeu a citação eletrônica. Ultrapassado esse prazo sem a confirmação de recebimento pelo réu, a citação será realizada pelos meios tradicionais: a) correio; b) oficial de justiça; c) escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; d) edital.



Além disso, na primeira oportunidade de poder se manifestar nos autos, o réu deve justificar o motivo de não recebimento do e-mail, sob pena de configurar ato atentatório à dignidade da justiça com multa de valor de até 5% do valor da causa, conforme art. 246 do CPC:



Art. 246 (...)



§ 1º-B Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente.



§ 1º-C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.


Além disso, houve também o acréscimo de um inciso no art. 231 do CPC, mudando o termo a quo para o prazo de contestação, que passou a ser o quinto dia útil seguinte ao recebimento do e-mail.



Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:



(...)



IX - o quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico.


Destaca-se, por fim, que, para viabilizar a citação eletrônica, o art. 77 do CPC passou a prever o dever de as partes, de seus procuradores, e de todos que participam do processo, informarem e manterem atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário, para recebimento de citações e intimações.




2) Ampliação do procedimento de exibição de documento (art. 397 do CPC)

O art. 397 do CPC permite que o autor faça um requerimento a parte contrária para que ela exiba um documento ou coisa que esteja em seu poder, mas que é importante para o processo. A Lei nº 14.195/21 promoveu uma ampliação do que pode ser requerido, passando-se a permitir que o requerimento seja de uma categoria do documento ou coisa.



A nova redação, portanto, permite que autor se refira a uma categoria de documento ou coisa (não precisa ser documento ou coisa específicos).




3) Prescrição intercorrente

A Lei nº 14.195/21 alterou o art. 921 do CPC, modificando o inciso III e § 4º e acrescentando os §§ 4º-A, § 5º, § 6º e 7º, para tratar da prescrição intercorrente.



Art. 921. Suspende-se a execução:



(...)



III - quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis;



(...)



§ 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo.



§ 4º-A A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz.



§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes.



§ 6º A alegação de nulidade quanto ao procedimento previsto neste artigo somente será conhecida caso demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo, que será presumido apenas em caso de inexistência da intimação de que trata o § 4º deste artigo.



§ 7º Aplica-se o disposto neste artigo ao cumprimento de sentença de que trata o art. 523 deste Código.


Com a modificação do inciso III, a suspensão da execução pode ocorrer quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis, ou seja, foi acrescentada a hipótese de não ser localizado o executado.



Passou-se a permitir ainda apenas uma suspensão da prescrição, pelo prazo máximo de 1 ano, que passou a ter como termo inicial a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis. Se durante o prazo de suspensão não forem achados bens, os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução, hipótese em que o prazo da prescrição intercorrente volta a correr.



Importante destacar que a Lei nº 14.195/2021 acrescentou o art. 206-A no Código Civil, deixando claro que o prazo da prescrição intercorrente é o mesmo da pretensão, posicionamento que já era dominante na doutrina e jurisprudência (exemplo: o prazo prescricional da ação de reparação civil é de 3 anos, logo também será de 3 anos o prazo da prescrição intercorrente no cumprimento de sentença da condenação do processo de reparação civil).




Publicação da Lei: dia 26/08/2021.


Vigência: imediata, entretanto, só pode ser cobrada a partir do XXXIV Exame da OAB.